Por Judith Krauss (Universidade de York) e Eduardo Castro Jr. (Universidade Eduardo Mondlane). This blog post is also available in English.
O nosso estudo ‘Compreendendo as mudanças nas cadeias de valor do carvão vegetal e do Malambe durante o a pandemia do Covid-19 nas zonas rurais de Moçambique: o papel do poder de negociação, do risco e das convenções de base cívica dos parceiros‘, recentemente publicado em Geoforum, realça a importância do poder colectivo e dos parceiros e dos parceiros sensíveis as questões sociais na protecção dos meios de pequenos meios de subsistência em tempos de crise.
Impactos das medidas de restrição da Covid sobre os meios de subsistência
O estudo (realizado por Judith Krauss, Universidade de York, Reino Unido; Eduardo Castro Jr., Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique; Andrew Kingman e Milagre Nuvunga, Fundação MICAIA, Moçambique/UK; e Casey Ryan, Universidade de Edimburgo) faz parte de um projecto implementado no início da pandemia de Covid em 2020, ‘Livelihood impacts of coping with Covid-19 in rural Mozambique’ (CwC). O projecto traçou os impactos diferenciados do Covid-19 na subsistência das comunidades rurais de Moçambique através de entrevistas telefónicas semanais, salientando que as restrições comerciais e de transporte tornaram o acesso ao mercado mais difícil ou impossível. Além disso, as restrições relacionadas com o Covid exacerbaram vulnerabilidades socioeconómicas tais como idade, género, baixo rendimento, e criaram novas exposições.
O estudo mais amplo mostrou, contudo, que as restrições comerciais e de transporte para reduzir a transmissão de Covid-19, tiveram repercussões muito diferentes para diferentes cadeias de valor domésticas, regionais e globais. Uma vez que os dados empíricos eram escassos sobre as implicações do Covid-19 em particular para os meios de subsistência locais das partes interessadas da cadeia de valor, realizámos entrevistas telefónicas semanais (n=273 de Maio a Julho de 2020) com membros do painel em seis comunidades rurais moçambicanas. Em primeiro lugar a nossa pesquisa rastreou como as cadeias de valor do baobá e do carvão vegetal foram afectadas pelas Intervenções Não Farmacêuticas da Covid, particularmente em termos de meios de subsistência dos produtores. Em segundo lugar, perguntamos como é que as nossas descobertas podem contribuir para melhorar compreensão sobre as assimetrias entre o poder de negociação e risco, e também como as diferentes orientações das partes interessadas da cadeia de valor, afectam os meios de subsistência.
Quadro conceptual: combinar a teoria da convenção, meios de subsistência e cadeias de valor com ênfase no poder e no risco
A nossa lente conceptual combinou a análise da cadeia de valor e da rede de produção, a teoria das convenções e a resiliência dos meios de subsistência centrando-se no poder e no risco. A análise de cadeias de valor e das redes de produção permitiu investigar a génese transfronteiriça de bens e serviços, envolvendo uma multiplicidade de intervenientes dos sectores público e privado. No passado, no entanto, tem-se concentrado predominantemente em empresas de referência, frequentemente sediadas em países ricos, dando menos ênfase aos meios de subsistência gerados para os produtores de subsistência e às prioridades dos mesmos. Dado o choque da pandemia de Covid e as suas repercussões nos rendimentos, a resiliência dos meios de subsistência é um conceito útil: “a capacidade de todas as pessoas através das gerações para sustentar e melhorar as suas oportunidades de subsistência e bem-estar, apesar das perturbações ambientais, económicas, sociais e políticas” (Tanner et al., 2015). Uma ênfase nos meios de subsistência gerados através de cadeias de valor chama igualmente a atenção para as assimetrias de poder de negociação e risco inerentes às cadeias de valor, salientando as diferenças entre, por exemplo, o poder colectivo das mulheres colectoras de malambe, e o poder de mercado dos compradores à grosso de carvão vegetal. Devido a estes pontos de partida desiguais entre os pequenos produtores face aos intervenientes mais poderosos nas cadeias de valor, a teoria da convenção é particularmente importante. De acordo com esta teoria: diferentes intervenientes na cadeia de valor, com diferentes níveis de poder, terão diferentes entendimentos de “qualidade” ou o que mais importa na cadeia de valor. Alguns darão prioridade a orientações baseadas no mercado, o que significa que o preço será o factor decisivo, enquanto outros compreenderão as circunstâncias sócio-ambientais da produção como sendo as mais importantes, com uma perspectiva mais socialmente consciencializada ou “cívica”.
Acreditamos que o quadro que construímos será útil para além da nossa pesquisa para destacar as implicações do avanço da mudança ambiental, incluindo as alterações climáticas, para os meios de subsistência dos intervenientes mais vulneráveis.
Conclusões empíricas: o poder colectivo e a importância de parceiros com consciência social
Verificámos que as restrições de comércio e transporte da Covid reestruturaram consideravelmente as cadeias de valor, embora de formas diferentes. A cadeia de valor global do malambe continuou a proporcionar rendimentos particularmente às mulheres, quando outras fontes de rendimento desapareceram parcial ou totalmente. A razão foi que as partes interessadas com consciência cívica, incluindo uma empresa social envolvendo as mulheres colectoras de malambe e um doador institucional, bem como um organismo de certificação, alteraram as suas operações para acomodar as restrições pandémicas de modo a afastar o risco das partes interessadas mais vulneráveis da cadeia de valor nos distritos de Guro e Tambara, província de Manica. Esta dinâmica significou que a empresa social que vende malambe orgânico em pó adquiriu novos compradores tanto a nível internacional como doméstico, o que significa que a cadeia de valor adquiriu uma dimensão doméstica graças ao poder colectivo das mulheres colectoras e à orientação cívica das partes interessadas do sector público, bem como da empresa social.
Pelo contrário, os produtores envolvidos na cadeia de valor do carvão vegetal doméstico, exclusivamente orientada para o mercado, viram as suas oportunidades de venda e rendimentos reduzidos. O carvão vegetal é uma indústria semiformal fundamental na África Subsaariana, que produz o principal combustível de cozinha para os centros urbanos. Normalmente, os pequenos produtores de carvão vegetal nas nossas comunidades dependem da circulação de comboios para transportar o carvão vegetal para centros urbanos como a capital Maputo. No entanto, as restrições pandémicas pararam os comboios, o que significa que os pequenos produtores de carvão passaram a estar inteiramente dependentes da passagem de camiões para vender carvão, com a sua posição de negociação enfraquecida levando a baixos volumes e preços baixos. Consequentemente, as comunidades dependentes do carvão em Mabalane e Mapai, província de Gaza, relataram níveis mais elevados de fome e insegurança alimentar. Ao contrário da cadeia de valor do malambe, a fragmentação do produtor significava que não havia poder colectivo para contestar o poder dos comerciantes ou retalhistas de carvão, sendo a cadeia de valor exclusivamente dominada por convenções baseadas no mercado e centradas no preço.
Em suma, o nosso artigo argumenta que os meios de subsistência locais eram mais resistentes ao impacto das Intervenções Não Farmacêuticas da Covid se estivessem presentes convenções de base cívica e poder colectivo e social.